Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos, Reino Unido,
França e União Soviética dividiram a Alemanha em quatro zonas de
ocupação. A área ao leste, conhecida como Alemanha Oriental, ficou sob
influência da União Soviética - posteriormente chamada de República
Democrática Alemã (RDA). A oeste, as áreas controladas por Estados
Unidos, Reino Unido e França foram unificadas em 1948, na chamada
Alemanha Ocidental - posteriormente, República Federal Alemã (RFA).
Berlim, embora localizada na área soviética, também fora dividida em
quatro zonas, sob a influência desses quatro países. Abaixo, Patrick
Major, professor de História Moderna na Universidade de Reading, conta a
história do Muro de Berlim, que separou Berlim Oriental, sob controle
soviético, de Berlim Ocidental, do bloco capitalista.
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, Berlim se tornou um espaço
peculiar. Era uma cidade "ilha", dividida em quatro, dirigida pelos
quatro ocupantes, cada um com seu próprio setor, mas localizada dentro
da zona soviética e a mais de 160 quilômetros das áreas ocidentais dos
Estados Unidos, Reino Unido e França.
Em represália pelas tentativas de formar o Estado da Alemanha
Ocidental, separado em 1948, Josef Stálin (líder da União Soviética)
havia explorado a posição exposta de Berlim Ocidental, cortando suas
ligações terrestres com o oeste.
Mas Berlim Ocidental eventualmente se converteu em um espinho
permanente para a Alemanha Oriental que a circundava. A CIA e o MI6
(agência de inteligência britânica) a utilizavam como base de espionagem
avançada; sua economia atraía dezenas de milhares de viajantes da
Alemanha Oriental.
Na noite de 13 de agosto de 1961, essa rachadura na Cortina de Ferro se fechou bruscamente e de forma dramática.
A partir de 1h, cordões humanos da polícia fronteiriça da Alemanha
Oriental e milicianos desceram até o limite do setor soviético para
enfrentar a polícia de Berlim Ocidental e as tropas americanas,
britânicas e francesas.
Grandes depósitos de arame farpado, malhas metálicas e postes de
concreto foram erigidos rapidamente dentro do setor leste, às vezes
aproveitando postes de iluminação e trilhos de bondes para fazer
barreiras improvisadas.
Quatro dias depois, sem reação ocidental, as autoridades da Alemanha
Oriental começaram a construir uma estrutura mais permanente com blocos
de cimento e lajes de concreto: o Muro de Berlim propriamente dito.
De um só golpe, a República Democrática da Alemanha (RDA) pôs fim a um
êxodo humano, que estava em marcha desde 1945, e havia alcançado
proporções epidêmicas no verão de 1961.
Apelidado de Republikflucht, ou
"fuga da República", um em cada seis alemães do leste se mudaram para o
oeste, a maioria via Berlim.
Nem com cenouras
Desde 1958, as autoridades comunistas estavam alarmadas diante do número de médicos, professores e engenheiros que fugiam.
Apesar da política de cenoura e chicote (metáfora política que faz
referência a um burro tratado na base da cenoura e do chicote, indicando
uma política que oferece incentivos, por um lado, e punição, por
outro), não conseguiam dissuadir os desertores enquanto a fronteira
estava aberta, como era exigido pelo Estado quadripartido especial de
Berlim.
Desde maio de 1960, a Stasi, a temida polícia secreta da Alemanha
Oriental, havia sido recrutada, mas só conseguiu interceptar um de cada
cinco pessoas que tentavam escapar para a Alemanha Ocidental. E
concluiu: "Um fechamento total de Berlim Ocidental não é possível e, por
isso, não se pode deixar o combate da Republikflucht apenas aos órgãos
de segurança da RDA".
Era preciso, argumentavam, uma solução mais radical, que implicasse um
isolamento físico de Berlim Ocidental, uma válvula de mão única que
mantivesse os alemães orientais no leste, mas que não permitisse acesso
do ocidente ao oriente.
Briga com Kennedy
Os alemães orientais haviam contemplado em privado essa ideia ao longo
da década de 1950, mas haviam sido vetados pelo comando soviético em
favor de uma solução diplomática.
Em maio de 1961, o líder da Alemanha Oriental, Walter Ulbricht, solicitou formalmente a Moscou que fechasse a fronteira.
Mas foi apenas depois do confronto entre o primeiro-ministro soviético,
Nikita Khrushchev, com o novo presidente americano, John F. Kennedy, em
junho, seguida por um intransigente discurso exibido na televisão feito
por Kennedy, em finais de julho, que o líder soviético finalmente
cedeu.
A decisão de construir um muro teve que ser levada a cabo em segredo absoluto, a fim de evitar uma grande fuga de pessoas.
Um anel de ferro
No dia seguinte do discurso de Kennedy, em 26 de julho, Khrushchev
ordenou ao embaixador soviétivo que dissesse a Ulbricht que tinham que
"usar a tensão nas relações internacionais para rodear Berlim com um
anel de ferro".
"Isso deve ser feito antes de concluir um tratado de paz."
De fato, o líder soviético provocou um curto-circuito na crise
diplomática que ele próprio desencadeara em novembro de 1958, ao emitir
um ultimato às potências ocidentais para desalojar Berlim Ocidental ou
aceitar um acordo de paz que os obrigaria a reconhecer o que
consideravam um Estado fantoche soviético ilegítimo: a chamada
"República Democrática Alemã".
A soberania da RDA havia dado aos alemães orientais o controle direto
sobre as as estradas entre Berlim Ocidental e Alemanha Ocidental, assim
como sobre os corredores aéreos.
A Alemanha Oriental efetivamente havia podido começar um segundo bloqueio de Berlim.
A discreta operação rosa
O discurso de Kennedy havia deixado claro que os Estados Unidos estavam
dispostos a ir à guerra para defender Berlim Ocidental, mas não houve
qualquer compromisso com uma Berlim Oriental aberta. Implicitamente,
haviam dado passagem livre aos comunistas em seu setor.
A partir de então, "a Operação Rosa" - o plano para cortar Berlim
Ocidental - se desenvolveu rapidamente, sob o mais estrito segredo.
Apenas cerca de 60 funcionários da RDA sabiam da operação.
O chefe de operações em terra era Erich Honecker, número dois do
partido comunista da Alemanha Oriental, destinado a se converter em
líder da RDA uma década mais tarde. Em 1961, era o secretário de
segurança do Politburo, responsável pela segurança interna e militar.
O fechamento da fronteira seria levado a cabo a partir de um sábado à
noite, até o domingo de manhã, para evitar possíveis paralisações nas
fábricas. O partido tinha duras recordações das greves massivas de 17 de
junho de 1953.
Para o 24 de julho, a área de segurança do partido havia calculado que o
fechamento total requereria 27 mil dias-homens de trabalho e quase 500
toneladas de arame farpado.
Anel de tanques
Os poucos escolhidos do Ministério do Interior se reuniram na escola de
formação do Volkspolizei, nos arredores de Berlim, sob as ordens de
Willi Seifert, comandante das tropas do interior e também ex-prisioneiro
de Buchenwald - portanto, com grande experiência "de dentro" de
instalações de segurança máxima.
Pouco a pouco, os materiais para a construção das cercas foram
secretamente transportados para a capital, vindos de outras regiões
fronteiriças e unidades policiais. Mas não se tratava apenas de uma ação
policial.
Em finais de julho, o chefe do Estado-Maior das forças soviéticas, o
tenente-geral Ariko, se reuniu com seu par na Alemanha Oriental, o major
Riedel, para discutir a coordenação do "anel de ferro" dos tanques
soviéticos e alemães orientais, que proporcionaria uma força de
dissuasão a 1,6 quilômetro das unidades policiais.
O Exército começou o planejamento conspiratório em Schloß Wilkendorf, a
nordeste de Berlim, onde o ministro da Defesa Heinz Hoffmann, Riedel e
outros 11 oficiais traçaram os planos para um avanço no mais estrito
silêncio de rádio, detalhando até a necessidade de amortecer o som dos
tanques.
Ocidente despistado
Manter a operação em segredo também era importante já que havia muita especulação sobre o quanto o Ocidente sabia de antemão.
Os americanos tinham um superespião no Kremlin, Oleg Penkovsky, que em 9
de agosto soube da ação iminente, mas não pode transmitir a informação
antes do evento.
Estimativas prévias de inteligência da CIA, no outono de 1957, por
exemplo, haviam previsto o possível fechamento de fronteiras. O Comitê
Conjunto de Inteligência Britânico chegou a conclusões similares em
fevereiro de 1959.
Em 1961, no entanto, os analistas da CIA estavam mais preocupados com o
que poderia ocorrer se os soviéticos tentassem repetir o bloqueio de
1948 para expulsar os aliados de Berlim ocidental, atacando as rotas de
transporte.
Também houve relatos de acúmulo de arame farpado, mas isso não era algo
novo. E, como a maioria das avaliações de inteligência, o problema era
uma sobrecarga de informação. As missões militares dos aliados
ocidentais, que poderiam contar com inteligência abertamente, não
encontraram nenhuma evidência de ação iminente.
Como os americanos informaram em 2 de agosto: "Situação em grande medida igual à da semana passada".
Em 12 de agosto, os britânicos também descartaram soluções drásticas.
"Os russos provavelmente estão mais preocupados com os riscos de
distúrbios se a rota de escape for completamente cortada do que com o
dano atual à RDA".
Uma opção pouco clara
A evidência que veio à luz na Alemanha Ocidental tampouco é conclusiva.
O Bundesnachrichtendienst (BND), o serviço secreto da República Federal
da Alemanha, tinha uma grande rede de informantes anticomunistas na
RDA.
Essa rede coletava informação de inteligência militar. Seu chefe,
Reinhard Gehlen, afirmou em suas memórias que o BND havia informado
sobre a ação antes que ocorresse. Seu informe de julho de 1961
efetivamente indicava que o fechamento das fronteiras era considerado
como uma possibilidade real e iminente.
Apesar desses indicadores aparentemente ameaçadores, houve informes contraditórios.
A inteligência interna da Alemanha Ocidental, Verfassungsschutz, disse
ao chanceler, Konrad Adenaue, que, ainda que "a ilha de Berlim Ocidental
tenha se convertido em uma questão de vida ou morte para o regime
comunista", restrições de viagem mais contundentes seriam "intoleráveis
para toda a população".
Portanto, parece provável que a comunidade de inteligência sabia que o
fechamento de Berlim era uma opção que o Leste estava considerando e
planificando ativamente, embora não estivesse segura acerca da data que
isso poderia ocorrer.
O momento e lugar correto
"A lição estratégica e tática mais importante da exitosa ação de 13 de
agosto", como foi registrado na Stasi, "é a importância de manter em
segredo o momento no tempo, como um requisito prévio decisivo para mais
golpes exitosos contra o inimigo, no momento correto e no lugar
correto".
Antes de uma reunião dos principais líderes do bloco oriental, em 1 de
agosto, Ulbricht falou com Jruschov por duas horas ao telefone, em uma
conversa descoberta há poucos anos em Moscou.
Depois de algumas piadas sobre o estado da coletivização da RDA,
Khrushchev repetiu seu chamado para colocar "um anel de ferro ao redor
de Berlim". "Creio que nossas tropas deveriam colocar o anel, mas suas
tropas deveriam controlá-lo."
Ulbricht estava claramente muito preocupado com um embargo econômico
ocidental contra a RDA e grande parte de seus comentários se referiam à
situação econômica da Alemanha Oriental. Finalmente, os dois terminaram
falando de segurança.
Khrushchev: Li
informes originais dos serviços secretos ocidentais que estimam que as
condições para uma revolta amadureceram na RDA. Eles estão usando seus
próprios canais para evitar que as coisas cheguem a uma revolta porque
isso não conseguirá nada. Estão dizendo: não podemos ajudar e os russos
vão esmagar tudo com tanques. Portanto, estão pedindo às pessoas que
esperem até que as condições sejam adequadas. Isso é realmente correto?
Não estou seguro e estou baseando-me apenas nos informes ocidentais.
Ulbricht: Temos
informação de que, de forma lenta mas segura, recrutando desertores e
organizando a resistência, o governo de Bonn está preparando as
condições para uma revolta que terá lugar no outono de 1961. Vemos os
métodos usados pelo inimigo: a igreja organiza a retirada dos
agricultores de coletivos, ainda que com pouco êxito; há ações de
sabotagem... Uma revolta não é realista, mas há ações possíveis que
poderiam nos causar um grande dano internacional.
Inclusive nessa etapa, Ulbricht parecia estar vislumbrando medidas
graduais que requeriam preparação política. "Realize-o quando quiser",
respondeu o líder do Kremlin. "Podemos coordenar a qualquer momento."
Mas Khrushchev estava mais inclinado à conspiração do que seu homólogo
da Alemanha Oriental: "Antes da introdução do novo regime fronteiriço
você não deveria explicar nada, já que isso apenas aumentaria o
movimento de refugiados e poderia conduzir a uma debandada. Te daremos
uma, duas semanas para que possa se preparar economicamente".
Khrushchev logo pleiteou o Estado das quatro potências de Berlim:
deveria a divisão rodear a Grande Berlim, em vez de apenas os setores
ocidentais? No entanto, Ulbricht se manteve firme: a cerca passaria pelo
centro da cidade: "Por cima de tudo, tem que ser rápido".
Khrushchev confiava que o Ocidente não reagiria de forma exagerada:
"Quando implementarmos esses controles, todos estarão satisfeitos. Além
disso, terão uma mostra do poder que você detém". Ulbricht: "Sim, então
conseguiremos obter a estabilização".
Apesar da conversa, uma questão de guerra e paz requeria o respaldo
político do Pacto de Varsóvia. Ainda que, quando chegou a data da
reunião, entre 3 e 5 de agosto, a sorte já estivesse lançada.
Já no primeiro dia, no que provavelmente foi uma reunião privada com
Khrushchev, o líder da RDA havia elaborado os elementos essenciais do
que estava por vir, e para isso tinha uma data: 13 de agosto. "Nós
brincamos entre nós, porque o Ocidente supõe que o 13 é um dia de azar",
recordou Khrushchev mais tarde. "Brinquei que, para nós e para todo o
campo socialista, seria um dia muito afortunado."
Em 12 de agosto, por volta das 16h, Ulbricht assinou a ação iminente e
logo em seguida convocou os funcionários do governo e do partido para
irem a sua residência rural, no lago Dölln, ao norte de Berlim, para dar
um passeio e jantar.
Falando com o embaixador soviético, o líder do partido da Alemanha do
Leste, em um raro episódio de humor, brincou dizendo: "Não os deixarei
ir até que a operação termine".
Os líderes reunidos estavam um pouco desconcertados pela onda de piadas
e interlúdios musicais, até que ao redor das 21h30 Ulbricht
repentinamente os convocou para uma sessão de emergência do Conselho de
Ministros para aprovar as medidas que estavam por vir.
Quando os convidados se separaram, por volta de meia noite, o caminho
de volta para Berlim já estava cheio de tanques russos. A Operação Rosa
havia começado. "Um muro não é muito agradável, mas é muito melhor que
uma guerra", falou John F. Kennedy.
*Patrick
Major, autor deste artigo, é professor de História Moderna na
Universidade de Reading. Seus livros incluem "A sombra do muro:
Histórias verdadeiras do passado dividido de Berlim" e "Atrás do muro de
Berlim: Alemanha Oriental e as fronteiras do poder".
As Informações são do G1.
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